DIÁRIO
Depois de décadas de esforço contínuo no caminho do haiku, tendo escrito muitas
vezes sobre o que não sei e até publicado essas bobagens e diversos tercetos,
parece que só agora comecei a entender...
É verdade
que penso em haicai todos os dias o tempo todo, mas tenho escrito cada vez
menos. Eu os faço mentalmente, não mais tomando nota. Depois esqueço e isso é
uma dádiva!
Aqui é
fácil encontrar haicai. Você pode respirar haicai, tropeçar ou pisar em um haicai
a qualquer hora! Não é difícil estender a mão e retirar das árvores nativas um
saboroso haicai. Ou escutá-lo estridente. Ou senti-lo na epiderme, em frio, nos
pelos arrepiados, em calor, em suor...
Quando eu
morava nas capitais, era a mesma coisa!
Haicai está
em tudo, em todo lugar! Basta ter coração para sentir!
Apesar da
minha mediocridade, a busca foi sempre sincera e a alegria de encontrar também.
Não posso reclamar da minha vida de haijin...
Diga-me se
não tenho razão?
Dentre as
coisas belas do inverno daqui, está o canto do bacurau. Não há nada que supere
o fascínio de escutá-lo no pasto perto de casa, enquanto termino qualquer
leitura ou espero o sono chegar. E não digo apenas dele, mas de todas as aves
noturnas. Quem vive na roça, sabe. São a própria voz da noite... E que enlevo
ouvi-las, estando apagadas as luzes, apagado o próprio lampião do pensamento!
Outros sons
noturnos apreciáveis, pois cada tempo do ano é providencialmente abastecido deles:
1) o canto do quero-quero, de tão bonitos olhos – cantam dia e noite, mas à
noite têm graça mais pungente; 2) o coaxar das rãs e dos sapos – não saberia
dizer qual mais amo dos múltiplos que tenho ouvido, nem quem melhor que essas
criaturas sabe namorar a lua; 3) o canto dos insetos – nas noites mornas; 4) o
próprio vento nas copas das árvores – tão diferente em cada mês; 5) os sons da
chuva – há inclusive as que caem caladas e são a voz do silêncio.
A chuva de
verão é um espetáculo à parte. Quando vai chegar, anuncia-se com ventos que
açoitam as árvores da mata, num ruído assustador! Parece uma aluvião. As
árvores da montanha, que são a vista da minha janela, balançam-se numa dança sagrada
que tentei, mas jamais consegui descrever – como se fossem pisadas pelos pés das
almas dos antepassados desta terra, num bailar frenético, que se vê de lampejo em fração de segundo a olho nu.
Encaro de
janela aberta o vento, o clarão dos raios, os trovões!
Minha avó e
as pessoas de seu tempo tinham medo das quedas dos raios, tiravam os óculos, desligavam
os rádios, fechavam as portas e as janelas e subiam em suas camas até passar a
tormenta.
Eu, mil
vezes morreria fulminado, adorando a montanha e o fogo do céu!
A chuva
chega, cai torrencial e depois vem a bonança. No fim é um tamborilar que até
embala o sono e o sonho.
E não é
diferente a vida além da montanha!
Seishin
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