VERÃO - Seishin
outra vez janeiro —
tem sido implacável o tempo
digo pro espelho
umbral do mosteiro —
recebem-me as dálias
ao amanhecer
ao redor da chácara
só mato alto e silêncio —
estação chuvosa
incômoda auréola —
o voejar dos mosquitos
na minha cabeça
horizonte largo —
o brilho da água-viva
na beira da praia
longa estiagem —
rompe a nuvem de poeira
o mugir do gado
passeio a cavalo —
o som do trote se perde
no canto das cigarras
vento de verão —
nas folhas da bananeira
o som da cascata
as moscas no cão —
com elas ou com ele
dividir o pão?
velho hotel —
a barata e o haijin
dividem o quarto
velho e diabético
o amigo inveja as formigas
no bolo da festa
o bicho-preguiça
no colo de um indiozinho —
turistas atônitos
férias na fazenda —
brinca com as anteninhas
o serra-pau
chuva de granizo —
de repente a orquestra
sob outra batuta
cai, cai, tanajura!
a lembrança de uma tarde
no interior
passeio no campo —
o canto do tié-fogo
ao sol poente
parecem arder
as luzes da cidadezinha —
noite tropical
calada da noite —
o gotejar das biqueiras
após o aguaceiro
após a chuva
indefinível odor —
noite de verão
adeus, peregrino!
sobre a erma vastidão
lua de verão
súbito trovão —
penso em Nenpuku Sato
e volto a dormir
alta madrugada —
zumbido das muriçocas
ao pé do ouvido
tosca manjedoura —
num pedaço de papel
a noite feliz
a música alta —
última noite do ano
e certa tristeza
o grande vazio
deste lugar à mesa —
ceia de Ano Novo
[Nota: segundo haicai de luto, dedicado ao pai.]
Seishin, “O Som da Cascata”. Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.