VERÃO - Seishin

 

Imagem Pixabay


outra vez janeiro —

tem sido implacável o tempo

digo pro espelho

 

umbral do mosteiro —

recebem-me as dálias

ao amanhecer

 

ao redor da chácara

só mato alto e silêncio —

estação chuvosa

 

incômoda auréola —

o voejar dos mosquitos

na minha cabeça

 

horizonte largo —

o brilho da água-viva

na beira da praia

 

longa estiagem —

rompe a nuvem de poeira

o mugir do gado

 

passeio a cavalo —

o som do trote se perde

no canto das cigarras

 

vento de verão —

nas folhas da bananeira

o som da cascata

 

as moscas no cão —

com elas ou com ele

dividir o pão?

 

velho hotel —

a barata e o haijin

dividem o quarto

 

velho e diabético

o amigo inveja as formigas

no bolo da festa

 

o bicho-preguiça

no colo de um indiozinho —

turistas atônitos

 

férias na fazenda —

brinca com as anteninhas

o serra-pau

 

chuva de granizo —

de repente a orquestra

sob outra batuta

 

cai, cai, tanajura!

a lembrança de uma tarde

no interior

 

passeio no campo —

o canto do tié-fogo

ao sol poente

 

parecem arder

as luzes da cidadezinha 

noite tropical

 

calada da noite —

o gotejar das biqueiras

após o aguaceiro 

 

após a chuva

indefinível odor —

noite de verão

 

adeus, peregrino!

sobre a erma vastidão

lua de verão

 

súbito trovão —

penso em Nenpuku Sato

e volto a dormir

 

alta madrugada —

zumbido das muriçocas

ao pé do ouvido

 

tosca manjedoura —

num pedaço de papel

a noite feliz

 

a música alta —

última noite do ano

e certa tristeza

 

o grande vazio

deste lugar à mesa —

ceia de Ano Novo

[Nota: segundo haicai de luto, dedicado ao pai.]

 

Seishin, “O Som da Cascata”. Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.

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