OUTONO - Seishin

 

Imagem Pixabay


a velha montanha —

silhueta luminosa

sob o céu de outono

 

águas de outono —

querubins e virgens choram

nos vitrais do templo

 

explosão de riso —

de repente o papagaio

a dizer um nome

 

ao ouvir seu canto

quero também ser passarinho —

azulão-da-serra 

 

imensa quietude —

sobre o lago de águas turvas

apenas neblina

 

no espelho do lago

a fazer pequenas ondas —

a libelulinha

 

voo solitário —

perde-se na cor do céu

a arara azul

 

sanhaço-da-serra —

pontinho azul saltitante

na beira da estrada

 

saudade do menino

que te queria em gaiola —

canário-do-mato

 

pio do inhambu —

ainda mais melancólica

a estrada da infância

 

vale dos tapuias —

inclina-se ao vento

o caniço-d’água

 

quase audível

a queda do orvalho

sobre a relva

 

certa nostalgia

à desfolha do salgueiro —

eis que envelheço

 

ave solitária —

nuvem branca de outono

ao cair da tarde

 

na beira da mata

conversa com o pôr do sol —

sanhaço-de-fogo

 

dois cravos murchos

sobre a lápide fria —

fim de tarde

 

a casa enlutada —

o silêncio impenetrável

de uma orquídea

[Nota: terceiro haicai de luto, dedicado ao pai.]

 

no olhar da avó

indefinida tristeza —

outono avançado

 

nas lentes dos óculos

da minha avó que não vê —

lua de outono

 

os mortos e os vivos

trazidos à conversa —

noite outonal

 

vigília pascal —

cheiro de velas queimando

e dança de sombras

 

saquê, sashimi

brinde com as taças do mestre —

lua desta noite

[Nota: taças nas quais Mestre Goga se servia de saquê, memorável presente de Teruko Oda a Seishin.]

 

bêbado de saquê —

se agiganta a cada gole

a primeira lua

 

lua desta noite —

mil voltas no quintal

e nenhum haicai

 

na cela do frade

um brilho de eternidade —

lua desta noite

 

Seishin, “O Som da Cascata”. Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.

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