OUTONO - Seishin
a velha montanha —
silhueta luminosa
sob o céu de outono
águas de outono —
querubins e virgens choram
nos vitrais do templo
explosão de riso —
de repente o papagaio
a dizer um nome
ao ouvir seu canto
quero também ser passarinho —
azulão-da-serra
imensa quietude —
sobre o lago de águas turvas
apenas neblina
no espelho do lago
a fazer pequenas ondas —
a libelulinha
voo solitário —
perde-se na cor do céu
a arara azul
sanhaço-da-serra —
pontinho azul saltitante
na beira da estrada
saudade do menino
que te queria em gaiola —
canário-do-mato
pio do inhambu —
ainda mais melancólica
a estrada da infância
vale dos tapuias —
inclina-se ao vento
o caniço-d’água
quase audível
a queda do orvalho
sobre a relva
certa nostalgia
à desfolha do salgueiro —
eis que envelheço
ave solitária —
nuvem branca de outono
ao cair da tarde
na beira da mata
conversa com o pôr do sol —
sanhaço-de-fogo
dois cravos murchos
sobre a lápide fria —
fim de tarde
a casa enlutada —
o silêncio impenetrável
de uma orquídea
[Nota: terceiro haicai de luto, dedicado ao pai.]
no olhar da avó
indefinida tristeza —
outono avançado
nas lentes dos óculos
da minha avó que não vê —
lua de outono
os mortos e os vivos
trazidos à conversa —
noite outonal
vigília pascal —
cheiro de velas queimando
e dança de sombras
saquê, sashimi
brinde com as taças do mestre —
lua desta noite
[Nota: taças nas quais Mestre Goga se servia de saquê, memorável presente de Teruko Oda a Seishin.]
bêbado de saquê —
se agiganta a cada gole
a primeira lua
lua desta noite —
mil voltas no quintal
e nenhum haicai
na cela do frade
um brilho de eternidade —
lua desta noite
Seishin, “O Som da Cascata”.
Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.