NENPUKU SATO & H. MASUDA GOGA – mestres do haicai brasileiro
Duas figuras importantes, absolutamente imprescindíveis para
a história do haicai no Brasil, são: Nenpuku Sato e H. Masuda Goga. Ambos
nasceram no Japão e, em tempos diferentes, vieram para o Brasil. Aqui viveram
até o fim de suas vidas dedicadas ao haicai.
Nenpuku Sato ao lado de Shûhei
Uetsuka, cujo nome literário era Hyôkotsu, considerado "pai da imigração
japonesa". Hyôkotsu é autor do primeiro haicai em japonês escrito no Brasil
(1908), mas considerava Nenpuku Sato seu mestre. (Fonte: 文学! bungaku!)
Nenpuku Sato (1898-1979)
foi discípulo de Kyoshi Takahama que, por sua vez, fora discípulo e sucessor
poético de Shiki, o último, em ordem cronológica, dos quatro grandes mestres de
haicai do Japão.[1]
Quando Nenpuku veio para o Brasil recebeu de seu mestre a
incumbência de cultivar haicai na nova terra. O episódio é conhecido pelo
registro de "haicais-mandamentos" que o mesmo recebera de Kyoshi:
“Faça um país de poesia / aonde leve
esse navio / vento de primavera”
“Lavre a terra / feito um deus como /
Kunitokotatchi no Mikoto”
“Lavrando a terra / plante também /
um país de haikai” [2]
Ele o fez como ninguém jamais, antes ou depois, conseguiu.
Formou, aqui, a maior comunidade de haijins do mundo, fora do Japão; teve
milhares de discípulos, entre os colonos, transmitindo-lhes ensinamentos de
haicai e promovendo a divulgação desse gênero poético em várias partes do
Brasil.[3]
O haicai já era conhecido e praticado em nosso país, mas em moldes muito diferentes
deste, considerado tradicional, feito no seio da colônia japonesa.
Nenpuku – nome haicaístico, pois de nascimento era Kenjiro
Sato – trabalhou como autêntico e incansável arauto do haicai no Brasil. Ele,
aqui tornado agricultor, foi também o homem extraordinário e intelectual de
escol que escreveu, com mãos calejadas, alguns dos mais admiráveis haicais que
no mundo se fez em todo o século XX.[4]
Embora nunca tenha escrito em português, foi também e muito
justamente considerado um haijin brasileiro. A partir de sua experiência de
imigrante e a duras penas, intuiu que não tinha sentido continuar a escrever
como se estivesse no Japão. Era preciso assimilar a natureza desta nova terra e
fazer um haicai totalmente novo, sujeitar-se a uma espécie de reeducação dos
sentidos, na compreensão cada vez mais íntima da natureza do Brasil.[5]
Com ele, o haicai no Brasil alcançou um momento não apenas admirável, mas
sublime.
São todos meninos
Os oleiros da olaria —
Vento de primavera.[6]
Mestre Goga (foto: Teruko Oda)
Hidekazu Masuda (1911-2008)
foi discípulo de Nenpuku Sato. Goga era seu nome haicaístico. Além de
agricultor, foi comerciante, jornalista, escritor e artista plástico. Escrevia
haicai em japonês e em português.
Sua participação na história do haicai brasileiro foi tão
importante que podemos falar dela dividindo-a em antes e depois de Goga. Ele
deu seguimento ao estudo e aclimatação do haicai “tradicional”. Seu livro O Haicai no Brasil, texto originalmente
escrito em japonês e publicado em Tóquio em 1986, foi traduzido e saiu em São
Paulo, pela Editora Oriento, em 1988, tornando-se importante referência para
historiadores e entusiastas do assunto.
O mestre Goga realizou, em definitivo, a transição desse
haicai que aprendera de Nenpuku, até então praticado só em japonês, pelos
imigrantes, para os brasileiros e descendentes de japoneses que já não
dominavam a língua de seus antepassados.
Edson Kenji Iura, em retrospectiva histórica sobre Goga, evocou
um dos momentos antológicos da consolidação desse haicai em nosso país. Trata-se
do instante memorável em que, através de um diálogo, o mestre transmite aos
brasileiros seu conhecimento de haicai e estabelece em definitivo o rumo
estético do Grêmio Ipê.[7]
Com Goga, o haicai da "escola de Bashô"[8]
podia, finalmente, ser praticado em nossa terra, na língua dos brasileiros,
preservando-se tradição, autenticidade, espírito e kigo.[9]
Pelo notável trabalho de divulgação do haicai fora do Japão,
em 2004 mestre Goga recebeu o Grande Prêmio Internacional de Haicai
"Masaoka Shiki".
Imensa saudade —
Voltam pra terra de
origem
pássaros em bando.[10]
[1]
Considerados os quatro grandes mestres de haicai do Japão: Bashô, Buson, Issa e
Shiki. Este último, além de haicaísta foi exímio crítico literário, restaurou e
modernizou o haicai levando-o, inclusive, à grande imprensa. Fundou a lendária
revista Hototogisu.
[2]
In: MENDONÇA, Maurício Arruda. Trilha
forrada de folhas – Nenpuku Sato: um mestre de haikai no Brasil. Edições
Ciência do Acidente: São Paulo, 1999, p. 114.
[3]
Estima-se que teve cerca de seis mil discípulos.
[4] A
revista Hototogisu classificou-o como um dos dez maiores mestres de haicai do
Japão.
[5] Um ensaio notável ao qual remeto o leitor: “Nenpuku Sato: um mestre de haikai no Brasil”, de Maurício Arruda Mendonça. Leia-o em Trilha forrada de folhas – Nenpuku Sato: um mestre de haikai no Brasil – além do ensaio, seleção e tradução de haicais de Nenpuku Sato por Maurício Arruda Mendonça – Ed. Ciência do Acidente: São Paulo, 1999.
[6] Nenpuku
Sato. Versão: Caqui – Revista Brasileira de Haicai.
[7]
Cf. Goga e haicai: um sonho brasileiro, org.: Teruko Oda. São Paulo:
Escrituras Editora, 2011, p. 17-19.
[8]
Nome poético desta linhagem de haicai no Brasil, também apelidado de
“tradicional” ou “sazonal”.
[9]
Kigo é o que define a estação do haicai.
[10]
Cf. Haicais inéditos de mestre Goga
em Lua de Outono, org.: Teruko Oda. São Paulo: Escrituras Editora, 2017.