INVERNO - Seishin

 

Imagem Pixabay


muralhas de Ávila —

sob o silêncio dos dias

a neve... a neve...

 

gelado até os ossos —

sereno e agradecido

pulsa o coração

 

seu preço, antigo

no bolso, esquecido —

meu sobretudo  

 

manhã opaca —

o tracejo do voo

da mosca de inverno

 

o roceiro segue

após alegre bom-dia —

caburé na porteira

 

dia de jejum —

os brócolis sobre a mesa

tão apetitosos

 

capital mineira —

pra qualquer lado que se olhe

ipês-roxos, rosas

 

hoje, cor-de-rosa

a rua pobre em que moro —

um, dois, três ipês

 

manhã de inverno —

o voejar solitário

da borboletinha

 

caminho do horto —

apenas o ruído

da queda da folha

 

solidão da ermida —

pousado na velha cruz

o pardal de inverno

 

painas ao vento —

de repente me dou conta

dos cabelos brancos

 

imóveis as sombras —

ainda mais silenciosa

a queda da paina

 

a tarde em declínio —

o capim-flecha se curva

ao menor dos ventos

 

quarto de hospital —

bate no vidro e na alma

o sol de inverno

 

neste fim de tarde

dói mais a minha orfandade —

domingo de agosto

[Nota: quarto haicai de luto, dedicado ao pai. No Brasil, o Dia dos Pais é comemorado no segundo domingo de agosto.]

 

velho cemitério —

o ruído dos meus passos

sobre as folhas secas

 

tela inacabada —

as cores da natureza

em julho mais frias

 

noite de São João —

de repente as estrelas

vêm brilhar no chão

 

chama por seus pais

a avozinha centenária —

noite de invernia

 

o tio enfermo —

última lua de inverno

nublada no céu

 

serpeia nos ares

uma navalha invisível —

vento minuano

 

lobo solitário —

na cumeeira da casa

o vento uivante

 

noite sem lua —

o pio da coruja-preta

atravessa a várzea

 

noite de inverno —

o cavalo e a estrela

igualmente sós

 

Seishin, “O Som da Cascata”. Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.

Postagens mais visitadas deste blog

GOLPE DE KATANA

NOTAS SOLTAS, INVERNO

DIÁRIO DE VIAGEM - verão de 2023