INVERNO - Seishin
muralhas de Ávila —
sob o silêncio dos dias
a neve... a neve...
gelado até os ossos —
sereno e agradecido
pulsa o coração
seu preço, antigo
no bolso, esquecido —
meu sobretudo
manhã opaca —
o tracejo do voo
da mosca de inverno
o roceiro segue
após alegre bom-dia —
caburé na porteira
dia de jejum —
os brócolis sobre a mesa
tão apetitosos
capital mineira —
pra qualquer lado que se olhe
ipês-roxos, rosas
hoje, cor-de-rosa
a rua pobre em que moro —
um, dois, três ipês
manhã de inverno —
o voejar solitário
da borboletinha
caminho do horto —
apenas o ruído
da queda da folha
solidão da ermida —
pousado na velha cruz
o pardal de inverno
painas ao vento —
de repente me dou conta
dos cabelos brancos
imóveis as sombras —
ainda mais silenciosa
a queda da paina
a tarde em declínio —
o capim-flecha se curva
ao menor dos ventos
quarto de hospital —
bate no vidro e na alma
o sol de inverno
neste fim de tarde
dói mais a minha orfandade —
domingo de agosto
[Nota: quarto haicai de luto, dedicado ao pai. No Brasil, o Dia dos Pais é comemorado no segundo domingo de agosto.]
velho cemitério —
o ruído dos meus passos
sobre as folhas secas
tela inacabada —
as cores da natureza
em julho mais frias
noite de São João —
de repente as estrelas
vêm brilhar no chão
chama por seus pais
a avozinha centenária —
noite de invernia
o tio enfermo —
última lua de inverno
nublada no céu
serpeia nos ares
uma navalha invisível —
vento minuano
lobo solitário —
na cumeeira da casa
o vento uivante
noite sem lua —
o pio da coruja-preta
atravessa a várzea
noite de inverno —
o cavalo e a estrela
igualmente sós
Seishin, “O Som da Cascata”. Jundiaí, SP: Telucazu Edições, 2023.