FLOR DE UMÊ
*
o som do silêncio —
última folha de inverno
sobre o asfalto.
desponta, perfumada,
no canteiro malcuidado —
flor de umê
a cor desta tarde —
um cacho de nêsperas
sobre a mesa
O haicai não deve nascer de modo artificial, mas puro e simples... prenhe de verdade. É assim que tenho considerado o exercício de compô-lo, no caminho. Como não posso, pela minha expectativa, fazer o sol nascer ou se pôr, devo apenas escrever. Escrever e não querer tornar-me haijin. Estar no caminho é bom e é o que importa. Não sei fazer melhor, mas ninguém deve deixar de seguir o impulso do coração por causa disso. Cada haiku é uma conquista que celebro como criança em noite de Natal.
Invejo os que escrevem diariamente, mas ainda não atingi nem sei se vou atingir semelhante estado de espírito e fluidez artística. Por serem poucos e represados até a hora do fluxo, em meu jeito de compô-los, acredito que os haicais vêm com força própria e talvez tragam marcas de meu próprio caráter. Só algumas vezes nascem haicais em profusão. É como se a própria natureza os entregasse a mim, como se eu estendesse a mão e retirasse da árvore o fruto maduro e doce, sem nenhum esforço, e o saboreasse e esquecesse depois. Isso é raro, mas é quando eu mais creio que o haicai é realmente um presente que nasce de nossa admiração e gratidão em face da vida.
O caminho não se faz nem se aprende quando estamos sozinhos. Dentro dele cabem mais coisas do que suspeitamos. Busquei nos livros e nos mestres, o segredo. Depois de perscrutar o coração desse mistério, aprendi que o haicai é possível quando o buscamos de coração aberto. Ele se dá a partir do espírito, da natureza e da verdade das coisas. É muito simples! Tão simples que não o entenderemos bem até nos tornarmos, igualmente, pequenos e simples!
Encontrar
o haicai é como encontrar a dracma perdida. Diz a parábola de Jesus que certa
mulher, tendo apenas dez dracmas, perdeu uma. Para quem era pobre e tinha tão
pouco, a perda foi significativa. Ela então acendeu a lâmpada, varreu a casa e
procurou a pequenina moeda, até encontrá-la. Quando a encontrou, reuniu suas
amigas e vizinhas e com o coração cheio de júbilo lhes disse: “Alegrem-se
comigo, eu reencontrei a moeda que tinha perdido!” (cf. Lucas 15, 8-10). É neste
espírito de festa, gratidão e celebração, que se dá o haicai. E daí brota o
desejo sincero de dividir essa alegria com todos os amigos e quantos mais queiram
dela participar.
O
mestre Goga ensinou que o berço do haicai é a natureza, os fenômenos naturais
ou eventos humanos que nos ligam a ela. Haverá neste mundo alguma realidade que
não possa ser tocada por isso?
清心
diário de haiku,
fragmento
2015